Sobreviventes: da sucata à tecnologia - 16/03/2017
Sobreviventes: da sucata à
tecnologia*
No último artigo publicado neste
espaço pontuou-se várias dimensões que fazem do novo mundo dos negócios algo
completamente diferente do passado em muitos aspectos. As colocações sobre os
riscos que correm os antigos “tubarões” dos negócios caso não aprendam a
assimilar e produzir informação processável e compartilhável são comprovadas
diariamente. Entretanto, estas pessoas que construíram impérios do nada ou
foram capazes de manter fortunas que poucas famílias conseguem passar de
geração em geração: é muito mais provável que eles ou seus descendentes
consigam adaptar-se e até mesmo criar novos negócios em vez de serem engolidos
por adversidades conjunturais. Inclusive, alguns mais novos vão assumindo
negócios de família, promovendo metamorfoses, e, muitas vezes, aprendendo
durante tais processos de mudanças e abrindo negócios particulares, como é o
caso da MobiConn, de Adriano Alvarez, atual diretor industrial da Fer Alvarez,
que herdou esta posição do pai.
Ao longo de uma conversa de quase
duas horas, Adriano, que também faz parte dos conselhos locais da Ciesp, Fiesp
e Agência de Desenvolvimento, pontuou em alguns momentos dois fatores que
levaram a Fer Alvarez a lhe oferecer uma visão diferenciada das transformações
que o século XXI exige da gestão nas empresas: 1) é uma empresa familiar que se
modernizou e 2) trabalha com a sucata de outras empresas.
Ele conta que a origem dos negócios
foi o Ferro Velho Alvarez (do seu Antonio), e que como tantas outras grandes do
interior foi uma empresa familiar que ganhou tamanho graças à perspicácia de
empreendedores à moda antiga, sem sistema de governança definido, nem modelo de
gestão ou planejamento técnico de investimentos; com o tempo mostrou-se urgente
a criação de interfaces intuitivas para garantir aos antigos empresários
adequação à nova realidade, instrumentos que, inclusive, mostraram a eles
mesmos a necessidade de mudanças gerenciais.
Tratava-se de uma empresa que não
apenas apresentava suas necessidades de transformação gerencial, como lidava
com várias outras com necessidades semelhantes, como o próprio Adriano
sinaliza: “quando você olha para o lixo de uma indústria, ele te ensina sobre a
gestão desta indústria”. Eles não revelam seus fornecedores, muito menos o
material recebido, mas aprendem demais sobre a gestão destes clientes,
observando inclusive neles problemas semelhantes. Isso tanto aprimorou o
funcionamento da empresa dos Alvarez como proporcionou ao Adriano um acúmulo de
conhecimento que o levou a criar uma Startup com Samuel Portel (criador do
sistema informatizado da empresa familiar) especializada na implantação de
sistemas informatizados de gestão, controle e relacionamento com clientes: a
MobiConn.
Este projeto pode ser a pedra
angular para se compreender como diminuir a aparente distância entre o
empresariado tradicional e um ambiente de inovação emergente em uma cidade do
interior como São João da Boa Vista. Quando se cria sistemas informatizados
para todas as esferas da administração de uma empresa aparecem pontos onde a
racionalidade tem dificuldade em se instalar, sendo possível identificar as
amarras que impedem maiores ganhos de competitividade. Estes focos de
irracionalidade também dificultam a percepção de como a assimilação de inovações
tecnológicas aumenta os ganhos, e solucionar tais gargalos naturalmente leva as
empresas tradicionais a investir em Pesquisa & Desenvolvimento, fomentando
pesquisadores e criando uma sinergia com o ambiente universitário.
Tais consequências deste tipo de
choque de gestão são facilmente percebidas na Fer Alvarez, sem abrir-se mão do
faro comercial de quem fez esta empresa vingar, simultaneamente criando
parcerias com professores de instituições de ensino superior, absorvendo e
valorizando mão de obra especializada (há 10 anos tinham um engenheiro
contratado, hoje são 8). Mais que isso, a MobiConn vem se espalhando para
outras grandes empresas locais, que aos poucos vêm recorrendo à Startup para a
implantação de seu sistema. Considerando-se que não podemos apostar somente em
uma ou duas áreas para criar uma identidade econômica local, pelo risco de
mercado, podemos pensar num modelo de interação universidade-empresa como a
implantação de um modelo de gestão e controle, podendo ser um primeiro passo
para termos nossa identidade pautada na dinâmica de apropriação do
conhecimento.
* Publicado originalmente no site do jornal O Município em 16/03/2017